Além da graça de Deus, Jesus também trouxe a verdade quando se fez
carne. Ele revelou a verdadeira e completa imagem de Deus. Essa verdade
também se aplica aos que nele crêem. O que é a verdade? Primeiramente, é
a própria pessoa de Jesus, Deus encarnado; e em relação a nós? Jesus abre
as portas, pela primeira vez na história humana, para “a nossa verdade encarnada”
poder aparecer. Ela não é muito bonita (como já vimos na parte das
más notícias), mas é bem real. Você nunca estranhou Paulo falar de si próprio
coisas como: “eu sei que em mim (isto é, na minha carne) não habita
bem nenhum”(Rm 7.18)? Isso tem sido tão difícil para a igreja aceitar, que
muitos pregadores e comentaristas preferem ensinar que isso se referiria a
um certo “crente carnal”, mas o “crente espiritual” não seria assim. Lamento,
mas Paulo não faz essa distinção. Quando ele escreve “miserável homem
que sou” e 3 frases depois diz “agora nenhuma condenação há para os que
estão em Cristo Jesus” ele está falando de duas verdades, ambas plenamente
verdadeiras. Desclassificar uma delas (nossa verdadeira condição) e tentar
ficar só com a outra (nossa perfeição em Cristo) é parte importante do problema
com nossas igrejas.
Lutero já tinha percebido essa realidade, que vale para o período de tempo
entre nosso primeiro encontro de fé com Cristo e o encontro final nos ares:
existem duas naturezas na mesma pessoa, a velha e a nova. Por isso, como disse
Lutero, o ser humano é simultaneamente justo e pecador. Se abrirmos mão
de qualquer uma dessas verdades, como a igreja involuntariamente tem feito,
estaremos nos desviando do evangelho, das boas novas de salvação. Pois para
que serve um Salvador se não for para pecadores?
Voltando a Paulo: noutra carta, mais pessoal, para o seu discípulo Timóteo,
ele diz: “Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores, sendo eu o
pior deles (o principal)” (I Tm 1.15). E como essa verdade talvez parecesse
difícil para o jovem Timóteo aceitar, Paulo frisa: “Fiel é esta palavra e digna
de toda a aceitação”. Isso não é exercício de retórica. Paulo sabe muito bem
que está dizendo a pura verdade: nós somos santos e justos em Cristo, e ao
mesmo tempo, em nós mesmos, nós somos pecadores. Por isso ele pode dizer,
em ainda outra carta, “pela graça de Deus sou o que sou” (I Co 15.10).
Diga-me, quantas vezes você já ouviu um sermão sobre algum desses textos?
Provavelmente pouquíssimos, talvez nenhum, o que ilustra como temos
dificuldade em admitir nosso pecado (nossa verdade, nossa auto-imagem),
especialmente depois de anos e anos de crente. E por termos essa dificuldade
em aceitar a verdade, temos também dificuldade em aceitar a graça.
Atualmente na igreja temos uma situação mista, bastante estranha: na hora
de pregarmos o evangelho para quem não crê em Jesus, conseguimos pregar
corretamente a graça de Deus, e como Ele aceita e salva a nós pecadores. Mas
depois de “aceita” essa mensagem, começamos a nos preocupar com pecados,
ensinar regras e disciplinas, e acabamos “recriando” o sistema da Lei e do
dever, da premiação da obediência e castigo da desobediência. Procuramos
acreditar numa falsa imagem de que somos apenas “nova criatura” e, ao nos
afastarmos da verdade sobre nossa pecaminosidade, acabamos também por
nos afastar da graça que nos tinha acolhido e salvado. Como resultado, nossas
igrejas parecem imensos berçários, em que novos cristãos sempre nascem,
mas depois não conseguem crescer, sucumbindo às pesadas cargas que lhes
impomos.
Mas fiquemos nas boas novas. Onde o pecado abunda (nosso coração mau)
a graça superabunda. A bondade de Deus é maior que a nossa ruindade. E
digo isso com 40 anos de experiência de crente em Cristo. Aquela paz se
aplica exatamente aqui: eu não vou conseguir ser perfeito em mim mesmo;
a perfeição eu só tenho em Cristo. Por isso, por causa do precioso sacrifício
de Cristo, tudo bem ser imperfeito (aliás, foi exatamente por causa disso que
Jesus morreu).
A objeção levantada é, desde aqueles tempos, sempre a mesma: e o pecado?
E a santificação? Como podemos crer que está tudo bem se vemos tanta coisa
errada? O pastor responsável pelos jovens e adolescentes talvez seja o primeiro
a protestar: precisamos pregar a santificação, não podemos deixar o pecado
“correr solto”. Agora começamos a entender porque Paulo, ao pregar e ensinar
o evangelho de Jesus Cristo, foi caluniado como se ele dissesse “façamos
o mal para que venha o bem” (Rm 3.8). Será que algum de nossos pregadorespoderia ser alvo dessa mesma calúnia? Duvido muito. Temos tanto medo do
pecado que ficamos bem longe dessa “linha divisória”.
Pois então vamos buscar entender como funciona a santificação na Nova
Aliança:
 
 
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