
“Estou apenas observando quanta coisa de que não preciso para ser feliz.” Essas, segundo Platão, são palavras de Sócrates ao passear pelo centro comercial de Atenas. Observar o que não é preciso para ser feliz é um exercício bastante inusitado. Não é comum alguém pensar sobre o que não é necessário ou o que não é útil, até porque pensar isso em uma sociedade de consumo soa como uma certa esquisitice.
Há uma certa loja muito conhecida no país que tem a seguinte frase de impacto: “ Vem ser feliz.” O ser feliz significa comprar algo naquela loja. Não se pode negar o poder do marketing, mas não se pode reduzir a vida e a felicidade a esse consumismo. É o mesmo que acreditar que alguém com um casamento arrebentado pode ser feliz comprando um celular novo. Talvez faça sentido para alguns, afinal, celular não tem sentimentos, portanto, não é capaz de de se estressar, de ficar emburrado, de ter TPM, mas também não é capaz de dar carinho, de encorajar, de abraçar. Celular é apenas um aparelho de comunicação, um produto de tecnologia. Tudo o que é tecnológico tem significado muito, pois o tecnológico é também simbólico, simboliza conquista, poder.
Não é muito difícil alguém pensar da seguinte forma: “Como houve vida antes da internet?” “Como pensar o mundo sem o msn ou o orkut?” O consumo e essa “tecnificação” da vida está levando as pessoas a um mundo tão virtual que nos faz voltar a Platão, com o mundo das ideias, da representatividade. A impressão que dá é que as pessoas, os sentimentos, o humano, nada mais são que representatividade e que o que interessa é o mundo virtual, o mundo do consumo.
Isso não é diferente no mundo evangélico e religioso. Ao pensar na oração, por exemplo, não significa mais, no imaginário das pessoas, uma forma de falar com Deus e de se relacionar com o Pai, mas uma maneira de se alcançar uma benção, uma espécie de cartão de crédito espiritual. Como não falar do conteúdo bíblico-teológico, que tem sido reduzido a meros chavões de auto-ajuda. A arte e a música no chamado mundo “gospel” tem sido muito mais um apelo de mercado, com um forte reforço de superficialidade, do que a preocupação com a vida e com a fé.
Talvez a provocação de Sócrates poderia ser feita nesse mundo “gospel”: “Estou apenas observando quanta coisa de que não preciso para ser feliz.” O que não preciso ouvir, o que não preciso cantar, o que não preciso participar, o que não preciso concordar, o que não preciso consumir.
Escrito por Claudinei Fernandes (http://claudineifernandespaulino.blogspot.com)
 
 
Nenhum comentário:
Postar um comentário