 
O ensino da justificação pela fé é a idéia fundamental de Lutero. Fundamental, não só do ponto de vista doutrinário, mas também – e sobretudo – do ponto de vista existencial. Lutero, durante muito tempo, viveu atormentado pela idéia do pecado. Mesmo levando uma vida monástica irrepreensível, não deixava de se ver como pecador e temia pela justiça divina. Conta que chegou à beira da blasfêmia, odiando aquele Deus implacável e terrível, que dá aos homens uma lei que Ele sabe que não será cumprida, apenas para, no final, julgar e punir a todos por sua desobediência. A reconciliação de Lutero com a justiça divina deu-se, finalmente, pela idéia da justificação pela fé: o homem precisa, antes de tudo, reconhecer-se como essencialmente injusto e pecador, concordando, assim, com o julgamento divino sobre nós humanos. Nisto consiste, em primeiro lugar, a fé: em dar razão a Deus.
A justiça divina, enfim, não se manifesta apenas ou eminentemente na punição dos pecadores, mas, sobretudo, na Sua misericórdia. Acreditar na possibilidade de alcançar a salvação e a justificação dos pecados (não sua eliminação, mas apenas a sua não-imputação) por meio da graça misericordiosa de Deus, ou seja, alcançar a fé plena na justiça (na misericórdia) de Deus é tudo o que podemos almejar. É isso que deve ser nosso objetivo.
Tentar justificar-nos por meio da razão, por meio de nossas obras ou por meio de indulgências é não apenas absurdo, é blasfemo, pois implica não compreender o sentido da justiça divina.
A salvação é um problema individual (ou seja, é um problema entre o indivíduo e Deus) e não institucional, já que não cabe à igreja, mas a Deus apenas, a salvação da alma.
Uma das conseqüências da doutrina da justificação pela fé é a perda do poder mediador que a igreja pretendia possuir, no que diz respeito à salvação. “Não há salvação fora da igreja”, dizia o adágio. Lutero nega justamente isso.
Outra conseqüência importante é a desvalorização da vida monástica e a correspondente valorização da vida comum, do trabalho e da família. Tradicionalmente, a vida monástica era percebida como um modo de vida que favorecia a salvação. Os rigores da vida nos mosteiros, retirada do mundo onde reina o pecado, aproximavam o homem de Deus. Lutero vai negar também isso. Nada que o homem faça ou deixe de fazer vai decidir a sorte de sua alma. Nada vai lavar o pecado que caracteriza o homem. Sua única esperança é a misericórdia divina, que pode relevar seu pecado. A salvação, portanto, depende exclusivamente de Deus. Ter fé é justamente reconhecer esse fato. De nada adiantam as mortificações, as penitências, os jejuns, o recolhimento, as orações – nada disso mudará o destino de nossa alma, nada disso nos trará para mais próximo de Deus: apenas a fé, ou seja, a aceitação do julgamento de Deus sobre nós e a percepção de que sua justiça corresponde à sua misericórdia, pode nos levar mais perto Dele. Ao contrário, uma vida de trabalho, devotada à comunidade e à família, tem muito mais valor do que a vida do monge.
 
 
Nenhum comentário:
Postar um comentário